Davos e a hipocrisia das elites globais

de Thais Palermo Buti*

Original italiano, publicado em Radio Città Aperta

Terminou na última sexta-feira o Fórum Econômico Mundial em Davos, a conferência que, todo mês de janeiro há 50 anos, recebe nos Alpes suíços as elites políticas, financeiras e industriais para delinear a agenda global.

Donald Trump na Conferencia de Davos, janeiro de 2020.

Com a presença de cerca de 3.000 líderes mundiais, incluindo chefes de Estado e de governo, banqueiros, bilionários, CEOs de grandes multinacionais, a conferência deste ano, intitulada “Stakeholders por um mundo coeso e sustentável”, foi dedicada ao meio ambiente e à pobreza.

Mas o tema da reunião certamente não revela nenhuma das verdadeiras intenções dos proprietários da riqueza global ali presentes. Basta dar uma olhada nos principais patrocinadores do evento para se ter uma: IBM, Bank of America, Google, Nestlé, Novartis, Facebook, JP Morgan, Coca Cola, Volkswagen, Unilever, Huawei, entre muitos outros gigantes, sempre na vanguarda da crítica de propostas alternativas para solucionar os problemas mais graves que afetam o mundo e dos quais elas são, fundamentalmente, a causa.

Após meio século de conclaves e reuniões de alto nível dos líderes do capitalismo, o sistema aprofundou seu grau de injustiça e pobreza e, após a crise econômica e financeira de 2008-2009, as reuniões anuais começaram a incluir em sua agenda tópicos “sensíveis”, como o aumento da desigualdade e as mudanças climáticas. Em palavras, todos parecem convencidos de que o novo objetivo das empresas não deve mais ser o lucro e o valor para os acionistas, mas “o investimento na força de trabalho, a proteção ambiental, a abordagem correta e ética dos fornecedores, o valor a longo prazo”.

Mas por que se fala de meio ambiente e desigualdade em Davos hoje? Por que alguns milionários preocupados com a estagnação econômica propõem pagar mais impostos e começar a considerar a pegada ecológica de suas ações?

A resposta certamente não pode ser encontrada em um mea culpa coletivo, mas no medo de uma degeneração da situação social, mesmo nos chamados países ricos, que podem levar, como já visto no ano passado em diferentes partes do mundo, a uma onda incontrolável de protestos. Talvez, finalmente, as elites presentes no Fórum tenham entendido que o aumento da pobreza devido a políticas de austeridade e o aumento assustador nos níveis de desigualdade – que o filósofo Paulo Arantes chamou de “brasilianização do mundo” em referência aos índices de distribuição de renda tristemente conhecidos no Brasil – podem ser uma mistura explosiva e contraproducente.

O relatório da Oxfam

Como revela o relatório “Time to care”, preparado pela Oxfam e apresentado em Davos, nossas economias sexistas alimentam a crise da desigualdade, permitindo que uma elite rica acumule enormes fortunas às custas das pessoas comuns e principalmente das mulheres e meninas pobres. O resultado é que os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres na África. De acordo com o CEO da Oxfam Índia, Amitabh Behar, os bolsos de bilionários e grandes empresas se enchem às custas de homens e mulheres comuns, e não seria surpreendente, de fato, se as pessoas começassem a se perguntar se os bilionários deveriam realmente existir.

De 2007 a 2011, afirma a Oxfam, os salários médios dos países do G-7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) aumentaram 3%, enquanto os dividendos pagos pelas empresas a seus parceiros e acionistas aumentaram 30%. Fazer com que os ricos e as empresas paguem mais impostos seria o primeiro passo para enfrentar uma desigualdade que está fora de controle e que tende a piorar com a crise climática, continua o relatório, que fala em “acabar com a riqueza extrema para erradicar a pobreza extrema”, e diz que, com apenas meio ponto percentual a mais de impostos para os ricos, seria possível criar 117 milhões de empregos em educação, saúde e assistência a idosos.

 

A denúncia de Greenpeace

Podemos então esperar que os maiores expoentes do capitalismo tenham aprendido a lição? Difícil de acreditar. Também por ocasião do Fórum, o Greenpeace denunciou a farsa do compromisso dos grandes nomes das finanças com a luta às mudanças climáticas. Seu relatório “ It’s the finance sector, stupid “, revela que os bancos e fundos de pensão presentes na reunião estão expostos financeiramente com as empresas de combustíveis fósseis por um valor de 1.400 bilhões de dólares, e que algumas companhias de seguros importantes presentes são as principais apoiadores de setores industriais altamente poluentes, razão pela qual essas empresas traem efetivamente, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico, o objetivo de “melhorar o estado do mundo”, como afirma o documento institucional do Fórum.

De todas as definições sobre a verdadeira natureza dessa reunião de cinquenta anos, a mais aderente à realidade parece ser aquela cunhada pelo gerente geral da revista Time, Anand Giridharadas, que descreveu Davos como “uma reunião de família para pessoas que destruíram o mundo moderno”. E que certamente não terão pressa em consertá-lo.

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* Jornalista da Radio Città Aperta de Roma